Editora: Sergio Antonio Fabris Editor
Autor: Marcos Evandro Cardoso Santi
ISBN: 9788575254057
R$92,00Disponibilidade: Pronta Entrega
Nº de Páginas: 160
Encadernação: Brochura
Ano: 2007
Editora:Sergio Antonio Fabris Editor
Autor: Marcos Evandro Cardoso Santi
ISBN: 9788575254057
Disponibilidade: Pronta Entrega
Nº de Páginas: 160
Encadernação: Brochura
Ano: 2007
Resenha:
As CPIs demonstram fragilidades da democracia, que amadurece. As CPIs são um cenário privilegiado para observar a evolução da democracia no país."No período democrático recente, todos os presidentes eleitos enfrentaram no Senado ou no Congresso a criação de comissões parlamentares de inquérito destinadas a investigar denúncias de corrupção em áreas estratégicas do Executivo". Essa é uma das premissas do trabalho, que vê como elemento comum o embate entre maioria e minoria, governo e oposição, em torno da interpretação da constitucionalidade dos requerimentos de criação das CPIs, utilizados como instrumentos que representavam, na verdade, interesses políticos. Assim, ele identificou as táticas usadas no Congresso pelo governo,geralmente majoritário, para abafar as investigações, e pela oposição, geralmente minoritária, para desgastar o governo, como características que se repetem no jogo partidário, independentemente de quem esteja no governo
Este livro foi citado recentemente pelo Ministro Celso de Mello do STF no link http://conjur.estadao.com.br:80//static/text/54172,2
Essa é uma das conclusões do cientista político Paulo Kramer ao fazer a resenha do livro Criação de comissões parlamentares de inquérito: tensão entre o direito constitucional de minorias e os interesses políticos da maioria, do servidor do Senado Marcos Santi, publicado pela Sergio Antonio Fabris Editor. Leia:
Paulo Kramer*
I
Max Weber (1864-1920) valorizava as comissões parlamentares de inquérito como escolas de governo para os políticos na oposição. Em um conjunto de artigos jornalísticos escritos durante a Primeira Guerra Mundial e hoje enfeixadas na obra Parlamento e governo na Alemanha, reordenada (ed. bras., com este título: Vozes, 1993, tradução de Karin Bakke de Araújo. A tradução pioneira para o português do Brasil, a cargo do falecido professor da FGV/SP Maurício Tragtenberg, intitulada Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída, integra o volume dedicado a Weber da coleção Os pensadores, da Abril Cultural, com sucessivas tiragens), Weber argumentou que a hegemonia econômica e política da Grã-Bretanha no mundo do século XIX e do início do XX devia ser creditada em grande medida ao suprimento quantitativa e qualitativamente satisfatório de líderes proporcionado pelo sistema político parlamentarista, ou governo de gabinete.
Este, graças à institucionalização de mecanismos até hoje vigentes e vigorosos no Reino Unido e em muitos outros países desenvolvidos dentro e fora da Europa, como os do shadow cabinet - gabinete-sombra ou gabinete-espelho, onde um membro da oposição é designado para acompanhar criticamente o desempenho de cada ministério, em especial via requerimentos de informações dirigidas aos respectivos titulares - e do inquérito parlamentar, permite à bancada momentaneamente minoritária exercer um papel responsável e não apenas negativo, fiscalizando o funcionamento da máquina do Poder Executivo e formulando programas alternativos de governo a serem oferecidos ao eleitorado no pleito seguinte.
Ao mesmo tempo, Weber deplorava o contraste com a situação política da sua Alemanha, dominada pelo que rotulou de herança de Bismarck. O aristocrata prussiano conservador Otto von Bismarck (1815-1898) fora o unificador da Alemanha moderna; primeiro chanceler (primeiro-ministro) do Reich (imperio alemão), de 1871 a 1890; pioneiro arquiteto de um sistema de seguridade social (seguro-desemprego, seguro-saúde e aposentadoria) para os trabalhadores; e articulador de um sistema de alianças diplomáticas garantidor para o seu país de uma posição de destaque entre as potências européias, conquistando tudo isso no comando de uma burocracia civil e militar impecavelmente eficiente.
Lamentava-se, todavia, Weber de que o preço dessas impressionantes realizações havia sido a eternização da menoridade cívico-política da sociedade alemã, pois, centralizador e autoritário, Bismarck manipulara os sistemas partidário e eleitoral e também os segredos do processo orçamentário de forma a assegurar a obediência dos burocratas e dificultar o surgimento, entre os deputados ao Reichstag (parlamento), de lideranças políticas independentes. Sua saída do poder abriria um vácuo político e decisório que, segundo Weber, desaguou na derrota alemã em 1918. A lição que ele extraiu do desastre nacional era: somente um regime parlamentarista integrado por partidos representativos dos principais grupos de interesses e correntes de opinião, sob a direção de políticos com instinto de poder, credibilidade, carisma popular e competência para atuar como generais no campo de batalha eleitoral, poderia exigir e obter transparência da máquina administrativa, fazendo do Legislativo uma arena para o treinamento e a renova
ção da elite política. Seu modelo era o estadista liberal William Gladstone (1809-1898), primeiro-ministro britânico por quatro vezes, de 1868 a 1874, de 1880 a 1885, em 1886 e de 1892 a 1894.
A bem da verdade, as idéias weberianas sobre a reforma política sofreram alterações significativas no breve intervalo entre o final da guerra e a inauguração, em 1919, de uma república sob a égide de uma Constituição liberal-democrática elaborada por assembléia reunida na cidade de Weimar. Graças à significativa influência pública de Weber naquela difícil conjuntura, essas idéias contribuíram para modelar as regras do novo sistema de governo - semiparlamentarista ou semipresidencialista, dependendo do ângulo de análise, com um presidente eleito diretamente pelo povo para a chefia do Estado e um chanceler (repetindo: cargo equivalente ao de primeiro-ministro), o líder do partido ou coalizão partidária com maioria parlamentar, na chefia do governo, de modo que, esperava Weber, o contraponto entre esses dois titulares da legitimidade democrática pudesse fornecer a liderança política que tanta falta havia feito à Alemanha pós-Bismarck.
Weber não viveria para testemunhar a transformação de sua esperança em tragédia na década de 20, sob o impacto da polarização político-ideológica entre extrema esquerda (comunismo) e extrema direita (nazismo), no cenário de hiperinflação e desemprego em massa agravado pela Grande Depressão de 1929/30. A eleição de novembro de 1932 guindaria o Führer nazi, Adolf Hitler (1889-1945), à chefia do governo em janeiro do ano seguinte e, em pouco tempo, à conquista do poder total, destruindo o que ainda restava da frágil República de Weimar.
(Novamente a bem da verdade, a fórmula mista de presidencialismo e parlamentarismo, bem antes de Weber inspirar sua inserção na Carta weimariana, fizera seu début na política francesa, com a constituição da Segunda República, nascida da Revolução de Fevereiro de 1848. Eleito presidente em dezembro daquele mesmo ano, Luís Bonaparte [1808-1873], sobrinho de Napoleão, daria um golpe de Estado no final de 1851, dissolvendo a Assembléia, aprovando por plebiscito uma nova constituição, restaurando o Império e fazendo-se proclamar Napoleão III, título confirmado por mais uma consulta popular no ano seguinte.
Passados muitos anos desde os fracassos da Segunda República, na França, e da República de Weimar, na Alemanha, a mescla de presidencialismo e regime de gabinete ressuscitaria em 1958, quando mais uma vez os franceses, exasperados com a instabilidade do sistema parlamentarista da Quarta República e à beira de uma guerra civil por causa da explosão do movimento anticolonial armado na Argélia, conduziram o líder da França Livre no exílio durante a Segunda Guerra Mundial, general Charles de Gaulle [1890-1970], à presidência, e este praticamente ditou a constituição da Quinta República, até hoje em vigor, ainda que com importantes emendas, já tendo passado com boas notas desde então em vários testes de ´coabitação´ entre presidente e primeiro-ministro de partidos diferentes. No final dos anos 70, a Constituição da República Portuguesa importaria o modelo)
II
Apesar de seu destino muito diferente, curto e trágico, a Constituição de Weimar logrou influenciar em pelo menos dois aspectos importantes as Cartas brasileiras promulgadas 1934 em diante: de lado, a preocupação com as questões sociais e trabalhistas; de outro, a consagração do direito das minorias parlamentares de criarem CPIs (neste caso, a exceção, claro, foi a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas [1883-1954] na instauração da ditadura do Estado Novo).
Novamente, convém resgatar a meditação política weberiana: já à época de Weber, a entrada das massas na política democrática, em conseqüência da adoção do sufrágio universal (inicialmente masculino), com o fim das restrições de renda ao exercício do direito de votar e ser votado, na Grã-Bretanha e em outros países da Europa ocidental na virada dos séculos XIX para XX, acelerou a expansão da burocracia estatal e, com isso, também a hipertrofia do Poder Executivo, agora responsável pela provisão de serviços públicos como saúde, educação, presidência e assistência sociais ao conjunto dos cidadãos, o que não preocupara os governantes enquanto o jogo do poder e a representação estiveram restritos a uma minoria de proprietários. Resultado: a garantia da liberdade no sistema representativo passou a depender cada vez mais da capacidade de o parlamento fiscalizar a máquina governamental e menos do cumprimento de sua clássica função de legislar. Essa tendência se fortaleceu e ampliou diante dos desafios trazidos por duas guerras mundiais com uma depressão no meio; as emergências ligadas à mobilização militar e econômica das sociedades levaram o Poder Executivo a invadir a seara parlamentar legislando via decretos, portarias e outros atos, quase sempre com o beneplácito de um Legislativo emparedado pela falta de alternativas ao seu próprio esvaziamento. No Brasil, a multissecular tradição do Executivo forte e centralizador se mantém no atual regime democrático sob a forma das medidas provisórias e das múltiplas oportunidades facultadas pela Constituição Federal de 1988 à iniciativa do presidente da República no processo legislativo. (Conforme o útil levantamento de Maria Laura Coutinho e Maria Inês de Bessa Lins, atualizado por Dilsson Emílio Brusco, somente a Câmara dos Deputados foi palco de 336 CPIs em 56 anos. Cf. Comissões Parlamentares de Inquérito: 1946 a 2002. Brasília: Câmara dos Deputados/Centro de Documentação e Informação, 2006.)
O livro do consultor legislativo do Senado Federal Marcos Santi, originário de sua monografia de conclusão do Curso de Especialização em Análise/Controle de Constitucionalidade, orientada pelo professor doutor Menelick de Carvalho Netto, titular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (no marco de convênio acadêmico entre a UnB, o Supremo Tribunal Federal e a Universidade do Legislativo Brasileiro - Unilegis, órgão do Senado), avalia o desempenho de algumas CPIs desta década e da passada e o impacto das mesmas na correlação de forças entre os Poderes da União, focalizando-as como momentos reveladores de diferentes etapas das relações do Legislativo com o Executivo e também com o Judiciário. De saída, a obra de Santi cumpre um requisito fundamental para o sucesso de qualquer trabalho acadêmico (monografia de graduação/especialização, dissertação de mestrado, ou tese de doutoramento): a precisa delimitação do seu objeto, deixando de fora numerosos casos para se concentrar naqueles relacionados à investigação parlamentar de denúncias de corrupção no Executivo federal; nos argumentos e táticas empregadas pelo governo e pelas suas lideranças no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados com o objetivo de abortar a criação ou a instalação dessas CPIs, desde que obtido o quórum mínimo para criá-las; e nas manifestações do STF quando provocado pelas minorias em defesa do seu direito constitucional de promover esse tipo de sindicância na administração pública. Ficam, assim, excluídas da análise todas "as tentativas frustradas das minorias em obter o número mínimo de signatários [do requerimento de criação], e que, em geral, envolvem manobras de cooptação de parlamentares, como liberação de recursos orçamentários, indicações para cargos públicos ou troca de apoio eleitoral" (p. 24). Numa marota distorção devidamente condenada por Santi, os regimentos permitem que parlamentares providencialmente "arrependidos" retirem suas assinaturas do requerimento no intervalo entre sua leitura em plenário e a publicação do mesmo, no dia seguinte, nos Diários das Casas.No critério adotado, enquadram-se a CPMI (Comissão Parlamentar Mista - isto é, Senado + Câmara - de Inquérito) do Governo Sarney (1988); a CPMI do PC/Governo Collor (1992); a CPI dos Corruptores (Senado, 1995); a CPI dos Bancos (Senado, 1996); a CPI dos Bingos (Senado, 2004 e 2005); e a CPMI dos Correios (2005). O horizonte temporal destes últimos 20 anos corresponde, é claro, ao relativo fortalecimento político do Congresso ante o Executivo no marco do fim da censura à imprensa, da redemocratização e da reconstitucionalização do país depois de duas décadas de regime militar inaugurado em 1964. Na comparação com outras ferramentas constitucionais de fiscalização do Executivo pelo Legislativo, as CPIs ocupam, em princípio, um plano superior de eficácia, quer pelas prerrogativas de coordenar sindicâncias a cargo de órgãos como Ministério Público, Tribunal de Contas da União, Banco Central,Polícia e Receita Federais, acessar e cruzar informações resultantes da quebra dos sigilos bancário, tributário e telefônico dos acusados ( poderes investigativos equivalentes aos de juízes e procuradores), quer pela extensa e intensa exposição dos seus trabalhos aos veículos de comunicação e, portanto, à atenção da opinião pública.Na tradição de Weimar, seguida pelo constitucionalismo brasileiro, o quórum mínimo para a criação dessas comissões é de um terço dos parlamentares (27 no Senado e/ou 171 na Câmara); em poucas palavras, isso significa que a Constituição reconhece o direito da oposição/minoria de investigar o Executivo, mas requer desta minoria um razoável limite mínimo de representatividade numérica. Por sua natureza, o requerimento para a criação de uma CPI obedece a uma regra de tramitação diferente daquelas que se aplicam aos demais tipos de proposições legislativas, dependentes de aprovação por maioria.Ao menos teoricamente, bastaria a comprovação, pela Presidência da Mesa do Senado, ou da Câmara, ou ainda no caso de CPI Mista, do Congresso Nacional (acumulada pelo presidente do Senado), de que o requerimento preenche os requisitos constitucionais de quórum mínimo (autenticidade das assinaturas verificada pela Secretaria-Geral da Mesa de uma das Casas), fato determinado (foco do inquérito) e prazo certo (para apresentação do relatório com as conclusões das investigações e proposições legislativas destinadas a sanar e prevenir os problemas encontrados) a fim de assegurar a criação e a instalação da comissão. Mas, como mostra a cuidadosa pesquisa de Santi nos Anais do Congresso, do Senado e da Câmara e também no banco de dados eletrônicos do STF, a prática é bem mais complicada.Para começo de conversa, os dispositivos constitucionais são regulamentados, isto é, detalhados, com diferentes graus de clareza nos Regimentos Internos do Senado (RISF) e da Câmara (RICD) e também no Regimento Comum do Congresso (RC). Este último nada mais prevê além do número mínimo de assinaturas; já o do Senado exige, adicionalmente, um orçamento com o limite das despesas a serem efetuadas durante o inquérito, enquanto o da Câmara, a par de cobrar a definição dos recursos e do assessoramento necessários ao cumprimento das tarefas da comissão, estabelece, ainda, que, se estiverem funcionando cinco CPIs ao mesmo tempo, a decisão sobre a criação da sexta em diante caberá ao Plenário. Ora, esta última regra embute uma violação do direito constitucional da minoria ao jogar para a maioria tal decisão - uma herança da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, promulgada no período da Junta Militar, um dos piores momentos do autoritarismo.Mas há outros obstáculos de monta no caminho da concretização desse direito. De uma parte, até a tomada de histórica decisão pelo STF em março de 2005, o RISF permitia aos líderes partidários inviabilizar a instalação de uma CPI já criada usando o puro e simples expediente da não indicação dos seus integrantes. De outra, a experiência das últimas décadas de conflitos político-jurídico-parlamentares atesta que poucas coisas são tão difíceis de determinar quanto o conceito de "fato determinado". Ao longo desse período, a retórica do governismo pode ter mudado de mãos, mas sua essência não se alterou. Assim, por exemplo, no início de 1988, em pleno processo constituinte, o líder do governo Sarney no Senado, Rachid Saldanha Derzi, (1917-2000, PMDB/MS), com apoio em parecer do então consultor-geral da República, Saulo Ramos, levantou questão de ordem dirigida à Presidência da Casa contra o requerimento encabeçado pelos à época senadores Carlos Chiarelli (PFL-RS) e Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), para investigação de "denúncias de irregularidades, inclusive corrupção", veiculadas pela imprensa, no processo de liberação de emendas orçamentárias, por considerar demasiado vagos os termos da proposição.O então presidente do Senado, Humberto Lucena (PMDB-PB), já falecido, recusou-se a considerar a questão de ordem por intempestiva, pois era abril, e a comissão já estava instalada desde janeiro, sendo presidida pelo então senador José Ignácio Ferreira (ES). (Em suma, o Palácio do Planalto e sua bancada senatorial, tendo-se mantido calados por tanto tempo, na prática consentiram com a existência da CPI) Na verdade, sua neutralização se daria mais adiante, quando o relatório final pedindo o impeachment de Sarney foi apresentado ao presidente da Câmara de então, deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE, hoje no PR), e este decretou seu arquivamento por inadmissibilidade. O STF, por sua vez, indeferiria mandado de segurança recorrendo da decisão de Inocêncio impetrado por grupo de senadores tendo à frente José Inácio e contando, entre seus participantes, com o futuro presidente Itamar Franco. Pois bem, passados oito anos (em 1996), o líder do PFL no Senado durante o primeiro mandato presidencial de FHC, Hugo Napoleão (PI), "colou" trechos do parecer de Saulo Ramos no intuito de arquivar, desta feita com sucesso, a já criada e instalada CPI dos Bancos, cujo requerimento fora encabeçado pelo ainda hoje senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), para apurar suspeitas de favorecimento de parentes ou amigos de altas autoridades da República quando das intervenções do Banco Central - em apoio às medidas de estabilização monetária implantadas pelo Plano Real em 1994 - nos hoje extintos bancos Nacional (incorporado pelo Unibanco) e Econômico, no marco do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer).Dessa lista vip constava o filho do presidente, Paulo Henrique Cardoso, que fora casado com Lúcia de Magalhães Pinto, da família dos antigos controladores do Nacional. Por um acaso que soa como ironia do destino, ao sepultamento da CPI dos Bancos não faltou um lance protagonizado pelo mesmo José Sarney, agora não mais presidente da República, e sim do Senado (biênio 1995/96). Discretamente, Santi deixa que os leitores se decidam entre duas hipóteses sobre a motivação do episódio - mero descuido ou bem urdida manobra de bastidores? - e contenta-se em narrá-lo, e eu em resumi-lo. Em resposta à questão de ordem de Hugo Napoleão sobre a indeterminação do objeto a ser investigado, Sarney a indeferiu com base na tradicional prerrogativa da minoria. Mas esta não teria muito a comemorar, pois, ao simplesmente tomar conhecimento oficial do questionamento, o presidente da Mesa abrira à bancada governista a oportunidade de submeter seu recurso ao plenário depois de consulta à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado - formalidade regimental em caso de matéria constitucional. Essa maioria, obviamente, decidiu pelo arquivamento da CPI dos Bancos. (Enquanto a CCJ ainda se debruçava sobre o recurso, FHC ocupou o horário da televisão para defender o Proer, o que pesou decisivamente no clima pró-arquivamento.) De nada adiantou o discurso do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) contra a decisão majoritária de 13 governistas na CCJ - à exceção do falecido Josaphat Marinho, pefelista baiano -, sustentando que a CPI dos Bancos, criada, instalada e presidida por Esperidião Amin, então senador do PPR (pouco depois rebatizado PPB e, finalmente, PP) de Santa Catarina, era um ato jurídico perfeito. Por 48 votos a 24, o Plenário aprovou o parecer da Comissão de Constituição e Justiça, extinguindo a CPI.Entre as CPIs do Governo Sarney e dos Bancos, cumpre recordar outras duas, igualmente estudadas por Santi. A mais famosa, pelas suas dimensões político-institucionais, foi, é claro, a CPMI de PC/Collor, criada e instalada em maio de 1992, dias depois de entrevista à revista Veja do empresário Pedro Collor, já falecido, irmão do então presidente da República, o hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Pedro acusou o chefe de Estado de beneficiar-se de um milionário esquema de financiamento de suas despesas pessoais montado e operado pelo ex-tesoureiro de sua campanha eleitoral, Paulo César (PC) Farias, com dinheiro proveniente de transações corruptas entre empresários e órgãos do governo.A riqueza de detalhes das revelações do irmão do presidente, multiplicadas por três meses de investigações, no contexto de uma forte mobilização da sociedade pró-impeachment de Collor com ampla cobertura dos meios de comunicação, impossibilitaram o presidente de se defender alegando falta de foco ou indeterminação do objeto das diligências. No final de setembro de 1992, a Câmara aprovou a instauração do processo de impeachment, e, em 29 de dezembro, o Senado, desconsiderando o seu pedido de renúncia na manhã do mesmo dia, cassou o mandato de Collor e julgou-o inelegível por oito anos.
Ainda no tocante a essa CPI, o leitor que aprecia thrillers de intriga política saboreará, às páginas 78 e 79, os detalhes da inesperada condução do ex-senador José Paulo Bisol (PSB-RS) a uma vaga naquele colegiado, onde se tornaria um ator-chave da desconstrução presidencial.No âmbito do Senado, a outra CPI, dos Corruptores, de 1995, primeiro ano do primeiro mandato de FHC, decorreu das descobertas da referida CPMI do PC (1992) e de uma outra que se lhe seguiu, a CPMI do Orçamento (1993/94). (Por suas características, esta não é detalhadamente estudada por Santi, voltada que foi à investigação de ligações escusas entre parlamentares e empreiteiros no desvio de recursos provenientes de emendas orçamentárias, resultando na abertura de processos, por quebra de decoro parlamentar, contra um senador - o falecido Ronaldo Aragão [PMDB-RO] - e vários deputados; alguns perderam seus mandatos, outros renunciaram.)
Como evidenciado pelo seu título, a CPI dos Corruptores propôs-se devassar o lado ativo desse crime: empresários que financiavam clandestinamente campanhas eleitorais de políticos e pagavam propina a administradores públicos em troca de negociatas com dinheiro público usando como moeda as emendas parlamentares ao Orçamento da União. Seu alvo não era, obviamente, o governo FHC, recém-iniciado; mesmo assim, foi combatida pelo Planalto, que temia seus impactos desagregadores sobre a base parlamentar governista no momento em que a prioridade do Executivo consistia em pilotar reformas constitucionais destinadas a flexibilizar monopólios estatais, facilitar privatizações e aprovar a emenda permitindo a reeleição consecutiva de presidente, governador e prefeito.
A tática esvaziadora aí adotada aproveitou-se de uma lacuna do RISF que permitia a qualquer partido, mesmo que sua bancada consistisse em um único representante, a enterrar qualquer CPI, que só poderia ser instalada depois de os líderes designarem a totalidade dos seus membros. Em contraste, o RICD e o RC permitem que as presidências das suas respectivas Mesas supram essa deliberada omissão indicando, elas mesmas, os membros de tais comissões, uma vez preenchidos requisitos como os do quórum mínimo de um terço e, este sempre mais discutível, do fato determinado. Presidente do Senado, Sarney prendeu-se a essa limitação regimental, o que determinou o arquivamento da CPI dos Corruptores em um estágio ainda mais precoce que o da citada CPI dos Bancos, de 1996, a qual chegou pelo menos a ser instalada, de vez que o entendimento que passou a prevalecer naquele ano foi o de que a indicação da maioria absoluta dos integrantes já seria suficiente para dar início aos trabalhos, o que foi possibilitado pela decisão dos líderes do PMDB e do PPB (atual PP) de preencherem as vagas que proporcionalmente lhes cabiam. Como há pouco já vimos, no entanto, nem isto impediu sua extinção. Lances como esses alimentaram a percepção generalizada e recorrente, mas nem sempre necessariamente correta, de que as CPIs, no Brasil, acabam em pizza. "Não!", reage Santi, com o meu integral apoio. Elas já cassaram um presidente da República, vários deputados (CPIs do Orçamento e dos Correios), um senador (Luiz Estevão, na CPI do Judiciário) e, no caso do mensalão, que será discutido a seguir, expuseram e, ao fazê-lo melaram projeto de enfraquecimento das instituições políticas representativas em proveito da hegemonia petista por tempo indeterminado, ademais de fundamentar a acusação de 40 políticos, empresários e burocratas partidários formalizada pela Procuradoria-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal (STF), onde agora estão sendo processados, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa.
Não, a falha não deve ser buscada apenas nas CPIs. Que tal, também, no sistema de Justiça, na legislação processual abundante em recursos protelatórios para quem pode pagar os melhores advogados? Que tal - se quisermos ir mais fundo - procurá-la nos costumes (ou, como é de bom-tom dizer-se hoje em dia, na cultura)? Na lição de Montesquieu (1689-1755), são eles, os costumes, o verdadeiro "espírito das leis". No caso do Brasil, paraíso patrimonialista (o conceito de patrimonialismo é weberiano) da usurpação privada da coisa pública, como mostra a meditação antropológica de Roberto DaMatta ou analítico-junguiana de José Osvaldo de Meira Penna, tal espírito reflete o endêmico e edênico sonho de viver acima das regras válidas para todos.
No certeiro epigrama de meu colega Vamireh Chacon, "Todo o mundo é uma exceção no Brasil". (Serviço: leia o ensaio "Você sabe com quem está falando?...", carro-chefe do livro de DaMatta Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, várias edições. Para J.O. de Meira Penna, a referência capital é Em berço esplêndido. Rio: Topbooks.)
III
A era Lula marcou nova etapa na história recente das CPIs, dramatizando como nunca a inversão de papéis entre atores governistas e oposicionistas assinalada por Santi. Na CPI dos Bingos (Senado, 2004/5) e na CPMI dos Correios (2005), o PT adotaria os mesmos expedientes para driblar os direitos das minorias que tão amargamente denunciara no tempo dos governos Sarney e Fernando Henrique. Nesse sentido, o seguinte trecho do depoimento prestado pelo ex-ministro José Dirceu ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, três meses antes da cassação do seu mandato de deputado (PT-SP) e da suspensão por oito anos dos seus direitos políticos, explicita o dilema do ex-incendiário convertido em bombeiro pela conquista do poder: "Dialoguei com o deputado Roberto Jefferson nesse momento, disse a ele que CPI sempre tem um caráter político e tentam (sic) se voltar contra os governos. Aliás, me reporto ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando dava entrevista na época em que a oposição propunha CPI, dizendo: ´Não permito, não vai ter CPI para desestabilizar meu governo. É para fazer meu impeachment´. É só pegar as revistas da época [...]"(Citado por Santi, p. 37.) Resumo: quem com CPI fere... O PSDB e o PFL (agora DEM), por sua vez, passariam a receber o mesmo tratamento que dispensaram à oposição de outrora, chocando-se com obstáculos regimentais plantados pelo governo, a saber: recusa da indicação de membros para a CPI dos Bingos e questionamento da indeterminação do fato a ser apurado no caso da CPMI dos Correios. Porém, nos últimos anos, um dado novo se inseriu na correlação de forças maioria versus minorias, afetando-a de modo importante e duradouro: a mudança de atitude do Supremo em face dos inquéritos parlamentares e dos conflitos por eles suscitados.
Em fevereiro de 2004, os senadores oposicionistas se mobilizaram por uma CPI destinada a investigar as casas de bingo e o seu papel na lavagem de dinheiro em decorrência da divulgação de uma reunião gravada entre o ex-subchefe da Casa Civil para Assuntos Parlamentares Waldomiro Diniz e o "empresário de jogos" Carlos Cachoeira. O Planalto reagiu em duas frentes proibindo os bingos por medida provisória e orientando seus aliados a que não preenchessem as vagas na comissão. Novamente na presidência do Senado, Sarney indeferiu questão de ordem do líder tucano, Arthur Virgílio (PSDB-AM), que insistia em interpretar o RISF por analogia com o RICD e o RC (omissão dos lideres suprida com indicações feitas pelo presidente da Mesa). Para Sarney, o RISF era explícito quanto à exclusiva e intransferível responsabilidade das lideranças partidárias. Na seqüência, um recurso oposicionista seria derrubado na CCJ do Senado, mas um mandado de segurança, de autoria dos senadores Jefferson Péres (PDT-AM) e Pedro Simon (PMDB-RS), impetrado no STF, seria ali acatado, com conseqüências históricas, conforme veremos daqui a pouco. Com a CPI dos Bingos em compasso de espera, senadores e deputados de oposição conseguiram, em 2005, reunir assinaturas suficientes para requerimento de criação de CPMI motivada por reportagem de Veja atribuindo ao PTB esquema de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). A matéria mencionava esquemas do mesmo gênero em outras estatais federais, como ElPetrobrás, Infraero e Petrobras.Nos bastidores, falharam os "argumentos" governistas para persuadir senadores a que retirassem suas assinaturas do requerimento; tampouco prosperou a tática de esvaziar o inquérito pela não indicação de integrantes da base: CPIs mistas obedecem ao RC, e não ao RISF. Também de acordo com o Regimento Comum, qualquer questão de ordem de natureza constitucional deve ser submetida à Comissão de Constituição e Justiça da Casa de origem do parlamentar que a levantou. Assim, o então presidente do Congresso (e do Senado), Renan Calheiros (PMDB-AL), despachou à CCJ da Câmara recurso de um deputado governista questionando a CPMI no quesito "fato determinado". Uma complicação preliminar: desde 2000, a propósito da CPI CBF/Nike, a interpretação vigente na Câmara se fundamentava em decisão de seu então presidente Michel Temer (PMDB-SP), que rejeitou recurso semelhante por entender que ele condicionaria o direito da minoria ao voto da minoria, uma flagrante inconstitucionalidade. O golpe de misericórdia nas articulações do governo seria a memorável entrevista do então deputado e ainda hoje presidente nacional do PTB Roberto Jefferson à Folha de S. Paulo desnudando o esquema que ele mesmo apelidou de mensalão: pagamento de propina a parlamentares governistas em troca da aprovação de projetos de interesse do Poder Executivo, com dinheiro de negociatas entre o poder público e empresários, com destaque para o mineiro Marcos Valério.
Diante do clamor público desencadeado pelas revelações do dirigente petebista, o governo não mais conseguiria sepultar a CPMI dos Correios. O relator do recurso na CCJ, deputado Inaldo Leitão (PL [agora PR]/PB) adotou uma abordagem conciliatória: aceitação parlamentar da reivindicação oposicionista, limitando a investigação apenas ao conteúdo da ementa e do primeiro parágrafo do requerimento (atos praticados por agentes da ECT, excluídos quaisquer outros dos 16 fatos mencionados). Leitão queria apoio de, ao menos, uma parte da oposição ao seu parecer. Pipocaram votos em contrário; o do pefelista baiano Paulo Magalhães invocou a questão de ordem indeferida por Temer em 2000. Tamanha foi a polêmica naquele momento que, apesar de aprovado na CCJ da Câmara, o parecer de Leitão jamais seria lido no plenário do Congresso. Bem lembra Santi que, sem considerar o parecer de Inaldo Leitão, a CPMI dos Correios "transformou-se efetivamente na verdadeira CPMI do chamado ´mensalão´" (p.77), praticamente monopolizando a
atenção do público em detrimento de outra, a CPMI do Mensalão, cujas sindicâncias sempre ficaram a reboque da primeira. O deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) acabaria relatando as duas em parecer conjunto. Contudo, o exemplo mais eloqüente das dificuldades - conceituais e políticas - para determinação do fato e manutenção do foco investigativo é dado pela já comentada CPI dos Bingos, que ficou conhecida também como a CPI do Fim do Mundo, em razão das múltiplas conexões que desencadeou: da gravação do encontro Waldomiro/Cachoeira para Rogério Buratti, antigo homem forte de Antonio Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto, e intermediador de contrato entre as loterias Caixa Econômica e a empresa GTech; do esquema de Ribeirão para outras prefeituras controladas pelo PT paulista (entre elas, as de Campinas e Santo André, cujos prefeitos foram assassinados) e para os empréstimos do PT a Lula operados pelo presidente do Sebrae, Paulo Okamotto; das declarações de Buratti à CPI até a queda de Palocci do Ministério da Fazenda pela violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa na tentativa de desqualificar seu testemunho à mesma comissão... Antes de avançar para o último bloco desta já perigosamente longa resenha (de pronto, vem-me à memória a advertência do general Golbery do Couto e Silva: "Cuidado para não escrever resumo maior que o original..."), permito-me discordar do autor, quando, à página 55, ele diagnostica uma "escassa maioria" do governo Lula na Câmara dos Deputados como a raiz da debilidade de seu governo para barrar CPIs, em confronto com a maioria "expressiva" do governo Fernando Henrique "nas duas Casas do Congresso Nacional". A meu ver, o problema do Executivo petista não é quantitativo, e sim qualitativo. Na Câmara, desde o seu primeiro mandato, a bancada de Lula sempre foi maior que a de FHC, pois, enquanto este se sustentou em um arco de alianças que ia da direita à centro-esquerda, aquele patrocina uma coalizão que inclui a extrema esquerda (excetuados os dissidentes petistas formadores do Psol) até a direita. A explicação para as dificuldades do atual governo com o Congresso reside na péssima articulação parlamentar do Planalto, cujas fontes, por sua vez, merecem ser analisadas à parte, não em um único artigo, mas em toda uma série deles.
IV
No terceiro capítulo, Santi mapeia as mudanças na jurisprudência do STF. Entre a CPI dos Bancos, de 1996, e a primeira tentativa de instalação da CPI dos Bingos, em 2004, prevaleceu a chamada doutrina dos atos interna corporis: o Supremo lavava as mãos sempre que provocado a julgar entre maioria e minorias parlamentares. Sutil e gradativamente, no entanto, nos ´subterrâneos´ do tribunal; nas entrelinhas dos votos vencidos de Celso de Mello, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, uma interpretação alternativa ia acumulando forças até conquistar maioria entre os 11 ministros.
ição do limite de despesas, usada pela maioria para matar a comissão. Na oportunidade, o ministro Celso de Mello pediu vista e discordou da decisão do relator com base em um clássico do liberalismo, o inglês John Stuart Mill ( 1806-1873), autor de obras como Da liberdade e Considerações sobre o Governo Representativo e defensor das minorias contra a opressão da maioria. Fizeram coro a Mello seus colegas Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão e Néri da Silveira. Em 1997, uma ação direta de inconstitucionalidade foi proposta por PT, PCdoB, PDT e PSB contra a limitação regimental a cinco do número de CPIs que poderiam funcionar simultaneamente na Câmara sem necessidade de consulta ao plenário. Mais uma vez relator, Maurício Corrêa indeferiu liminar, e, três anos depois, no julgamento colegiado da ação, o Supremo considerou constitucional o dispositivo do RICD ignorando a observação dos impetrantes de que, à época em que deram entrada na ação, não havia sequer uma CPI em funcionamento da Câmara! Os votos contrários da trinca Marco Aurélio, Celso e Sepúlveda se basearam na superioridade jurídica da Constituição, que não fala em limites para o número de CPIs simultâneas, sobre o Regimento. Pertence ainda alertou contra o truque governista de patrocinar "CPIs fantasmas" para inviabilizar iniciativas oposicionistas legítimas. Essa divergência se converteria na base de novo pensamento dominante, finalmente manifestado no julgamento do mandado de segurança dos senadores Simon e Péres em defesa da CPI dos Bingos, em 2005. No seu despacho, o relator, ministro Celso de Mello, "manifestou-se favorável ao conhecimento do MS", por considerar que ele suscitava questões caras ao republicanismo democrático, com ênfase no direito das minorias a não serem oprimidas pela maioria.
O presidente do Senado à época, Renan Calheiros, contestou a ação invocando, mais uma vez, a surrada doutrina dos atos interna coporis em defesa do RISF. Não obstante, o relator no STF acolheu o mandado, e, agora, além de Marco Aurélio e Sepúlveda, a ele se juntava a maioria dos seus colegas. Ao sustentar que cabe ao presidente do Senado Federal suprir a omissão dos líderes partidários (por analogia com o RICD e o RC), o Supremo finalmente fez triunfar a tese "de que o direito das minorias a criar comissão parlamentar" é "matéria de natureza constitucional", que "não pode estar limitada por regras inscritas somente nos regimentos ou por supostas lacunas neles contidas [...]" (p. 110). No meio tempo, registra Santi, em conseqüência dos avanços da redemocratização, outras decisões tomadas no contexto de uma evolução doutrinária foram solapando aos poucos o paradigma interna corporis. Já em 1990, bem antes de assumir sua cadeira no STF, o jurista Gilmar Ferreira Mendes confirmava que os RISF/CD não poderiam ser considerados imunes ao crivo constitucional do Supremo, assim como as leis e emendas à Constituição. O acúmulo quantitativo de certas intervenções daquela Corte nos processos de CPIs precederam o salto qualitativo da dissidência à jurisprudência respaldada pela maioria dos ministros, tais como a redefinição do rito do impeachment de Collor; a garantia do privilégio de não-incriminação a testemunhas convocadas a depor perante CPIs e que, no entendimento dos seus advogados de defesa, corriam o risco de sair dali indiciadas; o direito de atuação em CPIs e em processos disciplinares no Senado e na Câmara estendido a advogados (comunicação com clientes e uso da palavra durante as sessões. Antes, pelos regimentos, a palavra era reservada a parlamentares e a pessoas convocadas/convidadas a falar nas comissões); a proibição obtida pelo advogado de José Dirceu de que o parecer do relator do processo de seu cliente no Conselho de Ética da Câmara, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), fosse lido simultaneamente à ordem do dia (sessão) em plenário. É notável - e, na minha opinião, também preocupante sob certo aspecto - que, para impedir/coibir/prevenir manobras corporativistas de representantes eleitos do povo que põem em risco a Constituição e o interesse público, tenha que entrar em cena um Poder (ou melhor, o STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário) formado por membros não eleitos. Isso traz de volta à baila a grande questão que desafia as repúblicas de sempre: quem protege a sociedade dos seus guardiões se ela não pode se livrar deles pelo voto periódico? (Confesso: meu entusiasmo pela badalada judicialização da política é bem menor que o demonstrado por Santi.)
Por estimular esta e outras reflexões desse gênero e democratizar, com claro rigor analítico, informações relevantes sobre a nossa história política recente, a obra de Marcos Santi merece a atenta leitura de todos nós.
Afinal, como indicam as últimas escaramuças entre governo e oposição na farra escandalosa dos cartões corporativos, a Era das CPIs na política brasileira veio para ficar.
* Professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e analista da Kramer & Ornelas - Consultoria.
PUBLICADO EM:23/02/2008
Direito Administrativo